Para entender o que é endometriose é necessário primeiro saber o que é endométrio.
Endométrio é o tecido normal que reveste o útero internamente. Cresce e descama todo mês. Inicia seu crescimento logo após a menstruação e se descama na próxima. A cada ciclo menstrual esta rotina se repete. É sobre ele que os bebês se implantam. Se a mulher engravidar ele permanece durante a gestação, caso contrário será eliminado no sangue menstrual. Esse revestimento, muitas vezes, e por razões não totalmente esclarecidas, pode se implantar em outros órgãos: nos ovários, tubas, intestinos, bexiga, peritônio e, até mesmo, no próprio útero, dentro do músculo. Quando isso acontece, dá-se o nome de Endometriose (se estiver inserido na musculatura do útero tem o nome de Adenomiose), ou seja, endométrio fora do seu local habitual. O número cada vez maior de casos diagnosticados e a seriedade dos sintomas da doença vêm preocupando autoridades de países desenvolvidos e em desenvolvimento. Estima-se que 10 a 14% das mulheres, em sua fase reprodutiva (19 a 44 anos) e 25 a 50% das mulheres inférteis estejam acometidas por esta doença. Acredita-se que, no Brasil, existam de 3,5 a 5 milhões de mulheres com endometriose. Estes dados são suficientes para que se perceba a dimensão e importância deste diagnóstico.
Em 1921, Dr. Sampson do Hospital John Hopkins, nos Estados Unidos, demonstrou a sua teoria para explicar a endometriose baseada no refluxo sangüíneo menstrual que, ao invés de sair totalmente do útero junto com a menstruação, faria o caminho inverso, voltando para as trompas em direção ao abdômen. Com base nesta hipótese, muitos médicos tratavam a endometriose com a retirada do útero e dos ovários, pois, desta maneira, não existiriam os hormônios nem o endométrio menstrual responsáveis pela doença. Com o passar dos anos descobriu-se que, muitas das pacientes que se submetiam a essas intervenções radicais, continuavam com os mesmos sintomas dolorosos. Nos últimos anos foram feitas algumas observações que colocam esta teoria em questão. Estas observações incentivaram a busca para novos conceitos que têm levado a um diagnóstico mais preciso e um tratamento mais eficaz.
A endometriose é uma doença enigmática e tem merecido classificações que procuram identificar a localização das lesões, o grau de comprometimento dos órgãos e a severidade da doença. Embora grande parte das clínicas utilize a classificação da American Fertility Society que divide a doença em mínima, leve, moderada e severa, recentes avanços na pesquisa da doença recomendam uma nova classificação em três diferentes tipos: superficial ou peritoneal, ovariana e infiltrativa profunda.
Todos os três têm o nome de endometriose, mas são consideradas doenças diferentes, pois não possuem a mesma origem e por isto recebem tratamentos diferenciados. Esta divisão tem facilitado o tratamento e a cura, e mostra a importância do médico especialista em conhecer cada um dos detalhes que envolvem a doença, conseguindo-se assim separar o "joio do trigo".
São lesões espalhadas na superfície do interior do abdômen. Podem estar disseminadas atingindo até mesmo o diafragma. Embora sejam superficiais, geralmente estão localizadas sobre órgãos nobres como no intestino, bexiga e ureter e, por isto os cuidados cirúrgicos devem ser bem observados para que se evitem complicações. Os sintomas mais comuns são: cólica, menstruação irregular e infertilidade. O exame clínico não apresenta alterações importantes, o ultra-som não demonstra imagens características e os marcadores que podem sugerir a presença da doença, dosados no sangue (CA125 e SAA) podem ou não estar alterados. O diagnóstico conclusivo e o tratamento é feito pela videolaparoscopia.
A origem provável é de um implante superficial que atinge a face externa do ovário, provoca uma retração para o interior do mesmo e forma cistos. O tamanho dos cistos é variável e causa alterações da anatomia destes órgãos. O diagnóstico é fácil, feito pelo ultra-som. O tratamento quase sempre é cirúrgico por videolaparoscopia. O rigor da técnica cirúrgica utilizada é fundamental para que se evite o prejuízo da reserva ovariana, caso contrário, junto com o tecido do cisto, poderá ser retirado também tecido ovariano com óvulos de boa qualidade podendo levar até à falência ovariana precoce. O cisto pode estar associado a endometriose de outros órgãos formando aderências. Há situações em que a paciente não tem sintomas e o diagnóstico pode ocorrer em um exame ginecológico de rotina. A indicação cirúrgica vai depender do tamanho do cisto entre outras variáveis.
É a que apresenta sintomatologia mais agressiva comprometendo o bem-estar e a qualidade de vida das pacientes. Pode interferir na fertilidade mesmo quando são usadas as técnicas de Reprodução Assistida. Os implantes alcançam uma profundidade superior a 0,5 cm e envolvem outros órgãos como os ligamentos útero-sacros (que sustentam o útero), bexiga, ureteres, septo reto-vaginal (espaço entre reto, o útero e a vagina) e intestino. Nestes últimos, formam nódulos que atingem o reto, sigmóide, órgãos genitais, vagina e algumas vezes o intestino grosso e íleo (veja figura). A origem mais provável é a metaplasia (significa a transformação de um tecido embrionário em outro diferente).
O diagnóstico da endometriose infiltrativa e profunda deve ser suspeitado inicialmente pela queixa clínica. As queixas mais comuns são: a dor profunda e desconfortável na relação sexual, cólicas intensas e, principalmente, as queixas intestinais. Entre estas últimas estão: o inchaço abdominal permanente, a dor, e a dificuldade na evacuação e algumas vezes sangramento pelo reto na época da menstruação.
O médico que examina deve perceber no exame ginecológico de toque vaginal e retal nodulações na região posterior do útero, espessamentos e principalmente dor durante o exame desta região. Caso a doença esteja localizada no intestino em uma região superior, o profissional pode não perceber, mas os exames complementares associados ao histórico clínico da paciente, ajudarão a esclarecer o diagnóstico. Da mesma forma que os outros tipos de endometriose, os exames laboratoriais de sangue chamados de "marcadores" devem ser dosados nos três primeiros dias da menstruação e, embora não garantam o diagnóstico nem a extensão da doença podem ajudar a nortear a pesquisa.
Exames de imagens são fundamentais. Entre eles o ultra-som endovaginal, que deve ser realizado por um profissional experiente. É um ótimo exame pela sua precisão e facilidade. Infelizmente existem poucos médicos com experiência para um diagnóstico preciso. Esta avaliação deve ser precedida por um preparo intestinal que esvazia ("limpa") o intestino, elimina as fezes ajudando a visibilizar as imagens. Quando este exame for insuficiente para a conclusão diagnóstica, recomenda-se a Ressonância Magnética Pélvica e a Ecocolonoscopia. Este último é um exame mais complexo que exige a sedação da paciente, mas ajuda a localizar melhor as lesões e a profundidade delas nos órgãos atingidos. A colonoscopia é mais simples e tem o objetivo de avaliar as lesões que penetram para o interior do intestino.
O tratamento da endometriose profunda é sempre cirúrgico. Feito por videolaparoscopia, é extremamente complexo e exige médicos qualificados e experientes neste tipo de intervenção. Deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar que tenha pelo menos um ginecologista e um cirurgião geral especializados em cirurgia pélvica e com conhecimento da abrangência e envolvimento da doença com os outros órgãos. O planejamento da cirurgia deve ser feito com antecedência para que a paciente saiba das possíveis implicações, como a possibilidade de ressecção de uma parte do intestino (retosigmoidectomia), caso haja um comprometimento de várias camadas deste órgão, além de eventuais complicações. Tanto a paciente como a equipe devem estar prontos para estas possibilidades. O preparo intestinal pré-operatório é obrigatório para que a intervenção possa ser feita com tranqüilidade.
A associação da endometriose com a fertilidade tem sido alvo de discussão há muitos anos. Os debates em torno das proporções que esta doença afeta a capacidade da mulher em ter filhos têm causado, por muitas vezes, um "vai e vem" nas condutas e tratamentos médicos. Todos os tipos e graus de endometriose podem influenciar a fertilidade, entretanto, freqüentemente o diagnóstico não é tão evidente e fica como última opção na pesquisa, entre outras causas de infertilidade. Esta demora na iniciativa da pesquisa da doença, pode ser causada pela superficialidade dos sintomas, inconsistência das queixas clínicas e falta de evidências laboratoriais dos exames de sangue e ultra-som endovaginal. Somente após passar um certo período, onde foram realizados tratamentos sem sucesso, é indicada a videolaparoscopia, que conclui o diagnóstico. A espera por este esclarecimento atrasa a concepção e prolonga o sofrimento do casal.
A endometriose causa infertilidade pelos seguintes efeitos:
O tratamento pela Reprodução Assistida (fertilização in vitro) pode evitar a ação da maioria destes mecanismos que atrapalham a fertilização e, por isto, esta pode ser uma ótima saída para a resolução do problema. Entretanto, mesmo com estas técnicas, a endometriose pode diminuir as chances de resultados positivos e ser necessário o tratamento cirúrgico por videolaoaroscopia.
Esta é uma pergunta que as pacientes fazem com freqüência, e talvez o maior motivo desta dúvida seja o número grande de mulheres que realizam tratamentos e cirurgias repetidas para este problema.
É impossível afirmar que uma intervenção cirúrgica será definitiva para acabar com a doença, mas o que temos observado é que muitas pacientes fazem tratamentos cirúrgicos insuficientes para extingui-la definitivamente. Talvez, muitas das intervenções sejam incompletas devido ao alto grau de complexidade e riscos de complicações. Por isso, alguns cirurgiões preocupados com estes riscos limitam o grau de invasão do procedimento e acabam não retirando a totalidade da doença dos órgãos afetados. As cirurgias mais modernas envolvem detalhes de conhecimento anatômico importantes e têm conseguido um alto índice de cura definitiva e a restauração da fertilidade.
Podem ser indicados após o tratamento cirúrgico mas somente em casos especiais. O tratamento clínico com antiinflamatórios e pílulas anticoncepcionais antes da intervenção ajudam amenizar a dor, mas não curam a doença. O tratamento hormonal com objetivo de suspender a menstruação provocando uma menopausa temporária, após a cirurgia, tem demonstrado vantagens em casos isolados e por isto não deve ser receitado como rotina, entretanto, caso seja indicado, a duração não deve ser superior a três meses. O tratamento clínico isolado, sem cirurgia, não tem valor curativo.
Uma boa alternativa após a cirurgia, se a paciente não quiser engravidar no momento, são as pílulas de uso contínuo, os implantes hormonais e Levonorgestrel ou Etonogestrel (Mirena e Implanon) que suspendem a menstruação e restringem uma eventual evolução da doença e drogas que proíbem algumas ações hormonais.
Tem o objetivo de estimular o sistema imunológico através de suplementos alimentares como o flaxseed (semente de linhaça), óleos de prímula e de peixe além de antioxidantes poderosos como o Pycnogenol. As vitaminas C e E são também bastante eficazes.
As ervas chinesas como Cinnamon Twig (extrato de canela) e Poria Pill (Gui Zhi Fu Ling Wan), usadas historicamente na China para o tratamento de hemorragias na gestação, têm demonstrado ajudar a melhorar os sintomas da endometriose.
A acupuntura pode ser também uma boa alternativa.
Cada tipo de endometriose tem identidade própria cuja origem difere uma da outra e por isto cada uma merece um tratamento cirúrgico especializado, envolvendo muitos profissionais médicos de várias especialidades. A não observância dos critérios de diagnóstico utilizando-se exames inadequados e profissionais inexperientes, poderá levar a cirurgias incompletas e a persistência da doença.
Embora a endometriose não possa ser prevenida, algumas medidas podem minimizar o futuro evolutivo da doença, como:
A hereditariedade da endometriose já é conhecida há algum tempo. Calcula-se que, nestes casos, a incidência pode estar em até 6% nos parentes de primeiro grau e por isto a doença já deve ser suspeitada quando estas mulheres tiverem sintomas, ainda que discretos (cólica, irregularidade menstrual, etc.). Nesta oportunidade, os exames necessários devem ser feitos para elucidação diagnóstica. Quanto mais precoce for a intervenção curativa, maior a chance de evitar as possíveis complicações como a distorção anatômica causada pela doença, entre as outras já comentadas. O pouco conhecimento que a mulher tem sobre a endometriose faz com que muitas delas acreditem ser normal ter cólica menstrual intensa e não procurem um médico. Porém, mesmo quando o fazem, o diagnóstico demora a ser estabelecido. Em geral o tempo entre os sintomas iniciais até o diagnóstico pode alcançar até 10 anos ou mais.
A alimentação é importante para evitar várias doenças do corpo humano. O sistema imunológico também influencia diretamente no desenvolvimento das mesmas, podendo prejudicar principalmente as pessoas que moram em grandes cidades com alto grau de poluição atmosférica. A dioxina, por exemplo, é uma substância tóxica proveniente da combustão de produtos orgânicos e está presente no ar que respiramos e em alguns alimentos que ingerimos. Trabalhos científicos demonstram sua possível interferência no desenvolvimento da endometriose. Estes fatores em conjunto podem piorar a evolução da doença e por isto, uma dieta balanceada e um estilo de vida adequado ajudam a prevenir o surgimento ou o agravamento deste problema de saúde. A endometriose é uma doença da mulher moderna por estar relacionada com ansiedade, estresse e depressão, proveniente de uma exaustiva jornada de trabalho dentro e fora de casa. Um hábito intestinal normal e regular é imprescindível. A paciente que não evacua regularmente, tem retenção de material fecal e aumento de toxinas e muitas delas deprimem o sistema imunológico. Alimentos ricos em cereais e fibras ajudam a melhorar o ritmo intestinal. A base da alimentação deve ser a dieta macrobiótica, sem laticínios, trigo e produtos animais. Embora as carnes contenham proteínas que podem ser um importante combustível imunológico, algumas delas contêm hormônios femininos, como o estradiol, o que pode estimular ainda mais o desenvolvimento da endometriose. A dieta deve ser balanceada dando-se preferência por vegetais sem agrotóxicos, pois estes prejudicam a imunidade. Os exercícios físicos devem ser incentivados. O peso em excesso deve ser evitado, pois a obesidade além de ajudar a piorar as dores pélvicas, faz com que o acúmulo de gordura aumente a produção de hormônios femininos (estrogênio), que agravam a doença.
As cirurgias radicais para a cura da endometriose podem ser eficazes sem a retirada do útero ou ovários. As intervenções devem ser bem indicadas e podem ser realizadas com técnicas conservadoras sem prejudicar o futuro reprodutivo da mulher ou, muitas vezes, restaurando a anatomia do aparelho reprodutor quando ele estiver deformado pela doença. Pelos detalhes e pela complexidade que envolve este tipo de intervenção, o tempo de duração do procedimento cirúrgico pode ser longo, podendo se estender até seis horas dependendo da quantidade de camadas de tecidos e órgãos envolvidos.
Estes filmes foram editados em tempo reduzido e referem-se às principais etapas de cirurgias para o tratamento da endometriose. As intervenções foram realizadas pela equipe IPGO e estão sendo apresentadas em 3 vídeos sobre os diferentes tipos da doença: endometriose profunda, ovariana e peritoneal (ou superficial). Todas com objetivo de curar e preservar a fertilidade.
Para assistir o vídeo de Endometriose Profunda Clique aqui
Para assistir o vídeo de Endometriose Ovariana Clique aqui
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